domingo, 10 de abril de 2011

Amizades de rua

O mundo da vida está nu e, sem pudor, avidamente revela o que há de mais interno em suas entranhas.

Em um fim de tarde abafado, ao arregalar os olhos de cansaço, fui repentinamente vítima feliz de uma cena não cinematográfica de amizade. Eram dois meninos, filhos da rua, que revelavam, sem exibicionismo algum, possuírem laços fortes e aconchegantes de completa união. Meninos, órfãos de pai e mãe, que decerto haviam aprendido somente com o mundo o valor de estar perto, de pertencer a.

Naquele fim de tarde já sem crepúsculo, em que tudo parecia já ter acontecido, havia ainda uma surpresa prestes a me assustar de alegria, bem como quando criança, se aprende com o palhaço a ter medo seguro da felicidade repentina. E foi em um transporte coletivo, caixas retangulares de lata movidas à surpresa, onde eu quase sempre me surpreendera apenas com a minha convenção ferida, que naquele dia estava para mim reservado um ferimento bem mais profundo, um ferimento cuja cicatriz me encantaria para todo o sempre. E eu nem sequer podia imaginar que estava a poucos quilômetros de me tornar telespectador privilegiado de uma amizade que nunca ficaria à venda, graças a seu imensurável valor; e menos ainda que estivesse a poucas paradas de ter a oportunidade de ser a testemunha ocular que, mais tarde, seria capaz de confirmar, diante de um júri já desacreditado, que do esquecimento social a amizade é ainda um sobrevivente ileso.

(...)

O ônibus parou mais uma vez, e o que parecia ser só mais uma simples parada - para que um outro passageiro pendular, com sua história para sempre desconhecida, pudesse descer e se livrar do desconforto de estar perto demais sem nem sequer pertencer - tinha, na verdade, a força e poder suficientes para parar o mundo. O ônibus não havia parado ali somente para deixar que uma história partisse sem ter sido contada. O ônibus também parara para que se pudesse revelar, aos olhos de quem permitisse, o desespero de não se estar perto quando se pertence a alguém. O ônibus havia parado para que, pela porta traseira, embora proibido o embarque, um garoto esperto expressasse, através de seu rosto e de suas mãos que trêmulas logo começaram a solicitar a parada imediata, um desespero mudo ao perceber que a porta havia se fechado antes que seu amigo conseguisse estar ao seu lado na grande aventura. E séculos pareceram ter se passado até que o ônibus parasse novamente e permitisse ao menino esperto resgatar o outro não menos esperto.

Não sei como o reencontro se deu. Só sei que a viagem com destino certo teve ali seu rumo norteadamente alterado.