sexta-feira, 11 de março de 2011

Próxima parada

O ônibus estava extremamente lotado. Apenas os passageiros sentados, e em conforto parcial, somavam o número indicado pela placa vermelha de letras e números brancos. Aqueles que em pé se encontravam nem sequer precisavam se segurar nas barras, pois diante de qualquer freada, mesmo brusca, não havia para onde cair. Newton certamente se veria obrigado a reformular sua primeira lei, caso tivesse tido tempo de viajar num ônibus como aquele.

Além de desconfortante, a viagem era longa. E se tornava ainda mais longa a cada metro percorrido e a cada atitude folgada de um passageiro nonsense. Porém, nada disso era mais desconfortante e assustador do que colocar, de forma involuntária, o polegar sobre um botão em que a palavra PARE se encontrava impressa. Ali estava mais que uma palavra. Ali se encontrava um símbolo que poderia representar uma parada sem motivo; uma parada capaz de atrasar ainda mais uma viagem de volta ao lar, um beijo ou um abraço de saudades. E ali estava também o exemplo de que a involuntariedade poderia sim se transformar em um ato voluntário cheio de culpa.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Eu acredito em uma estrela

Abrir as janelas, logo pela manhã, sempre perturbava o dançar sincrônico das partículas de poeira que seguiam diagonalmente em direção a luz do sol.

Durante minha infância nostálgica acreditava que as estrelas pudessem ser feitas de minúsculas partículas de poeira oriundas do meu quarto. Partículas flutuantes de uma manhã de domingo; uma manhã que se apresentava através dos múltiplos fios de sol que adentravam pelas frestas da janela de madeira já meio apodrecida.

Domingo era dia de ir à missa. Nunca compreendi o porquê de NUNCA ser sempre depois da missa; não pelo simples fato de ser após, mas por ser sempre aos sábados. Eu nem sabia que aos sábados havia missa, muito menos que as quartas e sextas também eram dias possíveis de se visitar o Senhor de modo oficial. E talvez continue sem saber que todos os dias, horas e segundos são oficiais. Afinal, saber nem sempre é saber de fato. Tomar uma verdade como sua não significa saber.

Roupa apropriada, horário exato, silêncio, atenção... Tudo o que dificilmente se faz dentro de uma igreja quando se tem apenas 1/3 da idade com que Cristo morreu. Tais exigências eram feitas com todo carinho celestial possível. (...) Bom dia! Bom dia!! Adorava o segundo bom dia proporcionado pela falta de ânimo do primeiro que praticamente não havia sido correspondido ao padre. O bom dia duplo era também um aviso de que a hora de calar havia chegado. E de que era hora de ouvir as pronunciações de Deus intermediadas por um português engraçado, um português brasileiro com resquícios do de Portugal.

E lá estava eu. Todos os domingos. Camisa, bermuda, sapato. Camisa, calça, sapato. Silencioso, atencioso. A missa começava só às 08:30, mas trinta minutos antes eu já estava lá, de prontidão à espera de Deus. Trajado em meu figurino divino e divinamente comportado. Sentava sempre em uma das primeiras fileiras para ouvir sobre a criação do mundo, dos homens e principalmente das estrelas. Mas o padre nunca falou sobre as partículas de poeira do meu quarto, nem sobre a criação das estrelas em específico. As estrelas eram sempre coadjuvantes do Universo; e este, coadjuvante de Deus. Deus não era coadjuvante de nada, nem de ninguém. Deus era sempre o principal.

A partir daí descobri então que era Deus quem havia assobiado as partículas de poeira da Terra para criar as estrelas. Era Ele que assobiava e atraía a poeira do meu quarto; quarto compartilhado por irmãos, uma mesa, uma geladeira e um fogão, mas que, de certa forma, era meu em particular.

E Deus havia criado o Sol também. Deus criou o Sol com assobios.

Nunca aprendi a assobiar a partir da expulsão do ar, sempre o fiz ao contrário, o sugando. Mas aprendi sozinho que Deus assobiava como eu. Ele havia assobiado e atraído a poeira da Terra. Assim, Deus havia moldado as estrelas, que embora fossem belas do jeito que haviam sido criadas – pontos de luz branca ou amarela –, foram culturalmente adulteradas, assim como os corações.

As estrelas nunca caíram do céu. Nunca caem. Elas são maiores que a terra, mas isso não me fez deixar de acreditar que um dia encontraria uma estrela mergulhada em um lago. Dentro de um dos muitos açudes que passavam quase que despercebidos em minhas viagens a Santa Helena. Os motoristas já deviam ter apreciado muito aquela paisagem, e talvez fosse por isso que iam a toda velocidade. Mas para mim tudo era muito novo. E eu também era muito novo para ter a atenção de um dos motoristas da empresa Continental.

Descobrir que o Sol era também uma estrela foi iluminador. Estrelas não caíam só porque eram maiores que a terra. Estrelas não caíam porque eram Deus. Deus então podia ser vários, e isso me permitia deixar de acreditar em um deles. Isso me permitia não acreditar mais na estrela maior que iluminava a muitos. Isso me permitia não compartilhar de um mesmo Deus. Isso me permitiu apontar para uma das estrelas, a menor delas possível, e dizer: “A partir de agora Você será o meu Deus!”.

E sobre tal possibilidade o padre nunca nada dissera.