terça-feira, 25 de setembro de 2012

Meu primeiro brain storm



Ao longe ouço o sibilo de apitos que parecem exigir a liberdade criada pela opressão dos homens. É um protesto. É uma perda de tempo num país onde a “voz de Deus” fala apenas o que quer ouvir a minoria. Não sou adepto a manifestações, protestos ou a qualquer outro tipo de movimento que tome o tempo que eu poderia estar aproveitando para folhear as páginas de um bom livro. E ultimamente eu tenho consumido meu tempo para também desenhar flores que nunca vi e que tenho somente na imaginação. A última que esbocei me lembra uma margarida. E acredito que nela o néctar é mais puro e perfeito que as pétalas e folhas disformes feitas a lápis; o néctar chega a ser tão perfeito e doce que dezenas de formigas já desbravam a folha de papel na qual rabisquei a flor que, a partir desta brisa que acaba de refrescar esta tarde quente, atenderá pelo nome álacre e singelo de gaia. Gaio, se não sabes, é feliz. E gaia é feliz flor. É a aliteração da beleza. E o belo para mim pode não o ser para você, bem o sei. Eu, por exemplo, vejo o belo até na penca de bananas. E, além do belo, vejo também a física. As bananas, unidas na verde e protetora penca, brotam e apontam para o mundo da divergência. Elas nascem para convergir e, quando crescidas, divergem pétreas até o instante em que uma mão, movida pela fome ou apenas pela tentação, quebra-lhes os talos, assim, destruindo, já com culpa, o coletivo, a união. Somos e sempre seremos etenos culpados. Já nascemos com a culpa do pecado em nossos corações. E tudo porque no princípio não souberam esperar pela força da gravidade. Caso assim tivessem agido, a condição sempiterna do pecado seria de exclusividade apenas do disco de Newton que, quando girado, não gera música psicodélica, mas ganha a “descor” de uma folha de papel recém-tirada de uma resma.

domingo, 15 de julho de 2012

Fatos de março

Quinta feira, 22 de março de 2012.

O dia começa antes mesmo do alarmante cantar do galo citadino imaginário.

A cidade pequena que não se preparou para ser grande, estremunhada, abre os braços para se espreguiçar e acolher os milhares de corpos que se cruzarão, sem se tocar profundamente durante todo o dia.

O café é rapidamente improvisado: aveia com leite, mamão e uma colher de mel; uma banana média; duas fatias de pão integral e dois ovos cozidos em longos sete minutos.

Um banho gelado para contribuir no despertar forçado.

Uma última contagem cuidadosamente neurótica põe em ordem o que já havia se ordenado desde a quinta contagem já desnecessária: pode-se enfim sair em busca de mais um dia.

O ônibus, assim que chega apinhado de corpos que só se tocarão de forma superficial, perde a beleza das conduções das novelas de época.

Entre paradas, embarques e adeus silenciosos o caminho dos compromissos que devem ser cumpridos vai sendo, aos poucos, desbravado.

Chega-se ao lugar combinado como se estivesse chegando a um chá da tarde inglês.

O excesso de pontualidade proporciona um confortável momento de observação, mesmo diante da falta de espaldar dos assentos das praças públicas.

A vida, com calma, irrompe e se revela como num telão da sétima arte.

Dois homens, trajados com extremo formalismo, sob um sol de oito horas já um pouco escaldante, negociam silenciosamente o preço do dia, da vida e do futuro.
Uma jovem e bela garota, sentada na beira de um canteiro de plantas sem flores, parece estar ansiosa aguardando por um amor, talvez apenas por uma amizade, ou até mesmo pelo próprio tempo.  Enfim ela se vai, sem preencher o vazio da expectativa.
Ao lado, um rapaz, já bem crescido, lê, sem rir e com evidente desânimo, um livro com piadas de certo enredadas pelas desgraças das minorias.
Sob a sombra de uma árvore de galhos que tentam agarrar a luz do sol, três homens discutem com uma vendedora de bolos e café sobre os melhores jogadores e times do futebol brasileiro.
Um mouro atrasado arma apressadamente sua barraca na intenção de recuperar o tempo perdido e ganhar alguns trocados amolando tesouras, alicates e outros metais não mais tão cortantes.
De repente, uma mulher perdida questiona sobre a localidade exata da secretária da igreja. Acho que só São Francisco poderia guiá-la com segurança.
De repente, um homem sai pela porta da igreja e encerra uma conversa ao telefone dizendo amém.
E São Francisco, com as mãos levantadas para os céus: tudo vê, tudo observa, tudo olha e por todos nós ainda roga, animais (ir)racionais que somos.

sábado, 5 de maio de 2012

Amor

- Mãe, o que é estar apaixonado?
- É amar a Deus, meu filho. Amar a Deus sobre todas as coisas.
- Mamãe, eu então te amo sobre todos os deuses.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Culpando Deus

Sempre que se perde algo e, logo em seguida, se culpa alguém, esse algo incrivelmente aparece, deixando o leviano atribuidor de culpas com pudico rubor.
Na inocente tentativa de ter de volta o que acreditava um dia ter sido meu - sem me importar se, em seguida, a vergonha e a arrogante teimosia me deixariam sem coragem de nem ao menos pedir desculpas - passei a culpar as outras pessoas por objetos perdidos, objetos que eu mesmo (in)conscientemente havia perdido.
Veio-me então a brilhante e pecaminosa ideia de culpar Deus por minha origem perdida e desconhecida, mas esse meu algo impossível nunca apareceu. E talvez encontrar "o princípio" não seja mesmo tão prazeroso e confortante quanto descobrir que os seus óculos perdidos sempre estiveram, na verdade, bem embaixo do seu nariz, ou melhor, em cima.