Ao longe ouço o sibilo de apitos que parecem exigir a
liberdade criada pela opressão dos homens. É um protesto. É uma perda de tempo
num país onde a “voz de Deus” fala apenas o que quer ouvir a minoria. Não sou
adepto a manifestações, protestos ou a qualquer outro tipo de movimento que
tome o tempo que eu poderia estar aproveitando para folhear as páginas de um
bom livro. E ultimamente eu tenho consumido meu tempo para também desenhar flores que
nunca vi e que tenho somente na imaginação. A última que esbocei me lembra uma
margarida. E acredito que nela o néctar é mais puro e perfeito que as pétalas e
folhas disformes feitas a lápis; o néctar chega a ser tão perfeito e doce que
dezenas de formigas já desbravam a folha de papel na qual rabisquei a flor que,
a partir desta brisa que acaba de refrescar esta tarde quente, atenderá pelo
nome álacre e singelo de gaia. Gaio, se não sabes, é feliz. E gaia é feliz
flor. É a aliteração da beleza. E o belo para mim pode não o ser para você, bem
o sei. Eu, por exemplo, vejo o belo até na penca de bananas. E, além do belo,
vejo também a física. As bananas, unidas na verde e protetora penca, brotam e
apontam para o mundo da divergência. Elas nascem para convergir e, quando
crescidas, divergem pétreas até o instante em que uma mão, movida pela fome ou
apenas pela tentação, quebra-lhes os talos, assim, destruindo, já com culpa, o
coletivo, a união. Somos e sempre seremos etenos culpados. Já nascemos com a
culpa do pecado em nossos corações. E tudo porque no princípio não souberam
esperar pela força da gravidade. Caso assim tivessem agido, a condição
sempiterna do pecado seria de exclusividade apenas do disco de Newton que,
quando girado, não gera música psicodélica, mas ganha a “descor” de uma folha
de papel recém-tirada de uma resma.