quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sóbrios de culpa

Era um dia de casa cheia. E ao redor homens e mulheres, todos maiores de 18 anos, dançavam e riam à toa com seus copos de bebida nas mãos. Corpos ébrios caminhavam por todos os lados e cambaleantes e sem destino se perdiam num ambiente ao ar livre, onde os únicos limites eram o mar e as próprias pessoas com pouca ou nenhuma coordenação motora.

Apenas o bar era lugar ao qual ainda se podia fazer referência e era também, ao mesmo tempo, e estranhamente, o lugar que levava todos, ali presentes na ausência de seus sentidos e reflexos, a perder o pouco da consciência que ainda lhes restava. Comportavam-se instintivamente, bem como peixes adultos que retornam ao local em que nunca estiveram antes para enfim se reproduzir e multiplicar o mistério da vida. E, assim, a capacidade humana de inebriar-se em álcool era a confirmação para o fato de que permanecemos, ao logo de toda a vida, na busca não deliberada de nosso desiderato ao contrário.

De repente, em meio a balburdia compreendida como festa, num átimo de segundo, dois homens, completamente sem norte nem sul, se esbarraram e se encararam sem nem sequer deixar que os olhos se notassem. Mas a incapacidade de fixar o olhar não foi, de modo algum, um empecilho para que se situassem e tentassem, em seguida, através de seus poucos sentidos ainda preservados, se entender e chegar a conclusão de quem ali era o culpado; àquele cujas pedras do castigo deveriam ser anunciadas e, seguidamente, evitadas diante de nossa (in)consciência da trivialidade do pecado.

Os homens continuaram a se olhar da maneira que lhes era possível. Olharam para o chão já coberto pela cerveja que havia começado a se converter em espuma em neve. Em seguida, mais uma vez, puseram os olhos em direção ao que para eles eram vicariamente os olhos da mais verdadeira inocência; era como se buscassem um culpado em silêncio e na escuridão. Mas parecia não existir, pelo menos não em princípio, culpados num desastre involuntário provocado por uma escolha, aparentemente, também sem voluntariedade. E de fato não havia culpa por parte nem de um nem de outro; ambos eram completamente inocentes. A falta de culpa era a única que não havia sido afetada pelo álcool; e isso era o que fazia deles homens inteiramente sóbrios de culpa. E assim - sem culpa nem culpados - não só eles, mas todos os outros ao redor estariam certos de que seria, pelo menos até que as vítimas fossem apenas copos descartáveis de cerveja.

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