terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Atestado de amor eterno

Duas lágrimas de alívio foi o que vi verter sobre a folha de papel na qual uma falta profunda se mantinha, por anos, registrada com visível carinho e emoção. E eu, desatencioso e inexperiente com as dores e prazeres do amor, levei longos minutos para me dar conta de que mesmo num pedaço de papel poderia estar, incrivelmente, simbolizada nossa grande dificuldade em lidar com a finitude, ou talvez simplesmente nossa capacidade de preservar vivas em nossa memória as lembranças daqueles com quem um dia compartilhamos a dor e a delícia de pertencermos uns aos outros e ao mundo.
Maria Rufina havia me ligado meio esbaforida e aflita. Ela não conseguia de modo algum encontrar o atestado de óbito do marido morto já fazia alguns anos. Pedi então que ela me aguardasse para que juntos continuássemos na pungente busca. Quando cheguei a casa de dona Maria, ela de imediato pegou em minhas mãos e me levou até uma caixa de sapatos que era utilizada como caixa de memórias ou guarda lembranças. Em evidente desespero, Maria Rufina me informou pela segunda vez que não fazia a mínima ideia de onde tinha ido parar o atestado de morte do marido.
Com calma vasculhei a caixa de sapatos e revirei com cuidado os papéis que lá dentro estavam. Bem no fundo, grudado a outra folha que não recordo mais qual era seu conteúdo, estava o atestado, intacto e em silêncio. Levantei sem emoção a folha de papel em minhas mãos e anunciei a dona Maria que o documento outrora perdido estava enfim novamente disponível a seu olhar e toque. Maria Rufina então, de maneira por mim inesperada, e até um tanto brusca, tomou o atestado de minhas mãos e desatou em doces lágrimas de carinho e saudade.
Por mais uma vez eu fora tocado de surpresa pela graça e força do amor.

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